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Bate-Papo com o Ortopedista Dr. Roger Enokibara

Bate-Papo com o Ortopedista Dr. Roger Enokibara

 Olá, querido leitor!

Ouvi dizer que tem uma galera planejando voltar para os estúdios e academias de dança. Imagino que estão todos muito ansiosos para poderem retornar às aulas presenciais,  sem as limitações inevitáveis das aulas em casa. É muito importante que a prática do ballet e também de outras modalidades de dança ou atividade física, sejamem um lugar apropriado, mas ao mesmo tempo é válido lembrar que ainda estamos em um momento de cautela e que algumas medidas de segurança continuam sendo necessárias.

Por esse motivo, para esse bate-papo, nós convidamos o médico ortopedista Dr. Roger Enokibara, residente no  Rio de Janeiro. Sim, você possivelmente já viu esse sobrenome aqui no blog. O Dr. Roger é  pai da querida Mayumi, bailarina do Miami City Ballet, que também já participou de um bate-papo conosco.

O Dr. Roger aceitou gentilmente conversar com a gente e respondeu várias perguntas relevantes para a vida e para o dia a dia de bailarinos. Nessa conversa, esclarecemos algumas dúvidas sobre o uso de máscaras durante as atividades físicas, e também falamos sobre assuntos frequentes em relação ao corpo de um bailarino, como por exemplo, lesões e até mesmo o uso das sapatilhas de ponta.

Aproveitem a leitura. Um beijo e se cuidem!

Armando Barros.

 

AB - Muitas escolas estão se preparando para retornar com as aulas presenciais e, considerando que ainda estamos vivendo no cenário de pandemia, sabemos que algumas medidas preventivas são importantes, como o uso de máscara por exemplo. Sendo assim, como fica a relação da atividade física com o uso de máscara? É indicado ou pode prejudicar a saúde de alguma forma?

RE - De acordo com as recomendações da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte, a máscara deve ser usada, tanto nas práticas esportivas ao ar livre, quanto em academias, e também podemos incluir os estúdios de dança. Então vem a preocupação com o rendimento, o desconforto, maior fadiga e qual tipo de máscara utilizar.

Sim, o rendimento poderá ser alterado, pois estamos colocando uma barreira física entre nossa via respiratória e o ar ambiente, que irá criar uma dificuldade maior no momento tanto da inspiração quanto da expiração, porém isso não coloca em risco a saúde do usuário que deseja praticar exercícios físicos. Em alguns, pode provocar fadiga mais precocemente pelas alterações fisiológicas, quando praticarem por períodos maiores que 1 hora de duração e intensidade alta. Por isso a necessidade de pausas.

A preocupação daqueles que praticam exercícios físicos está muito voltada para uma eventual retenção de CO2, entre a máscara e o rosto, porém esta é pequena e insuficiente para provocar um desequilíbrio importante no processo de trocas gasosas.

Tudo isso é muito novo e estudos recentes mostram até um efeito benéfico, quando usadas durante o exercício, sobre a musculatura respiratória, pelo maior esforço (inspiratório e expiratório) provocado pela máscara, melhorando sua força e resistência, levando a uma maior eficiência ventilatória.

O fator relevante será o material usado nas máscaras que serão utilizadas no exercício físico. No momento, o mais importante é tentar encontrar máscaras com as quais o praticante venha a se adaptar adequadamente, mas que tenham o melhor equilíbrio entre proteção (filtragem) e respirabilidade.

Geralmente, máscaras muito finas facilitam a respiração, mas seu efeito protetor tende a ser mais baixo. Alguns testes mostram que máscaras de TNT de qualidade têm boa filtragem e respirabilidade, mas são descartáveis, não podendo ser reutilizadas ou devendo ser trocadas ao molhar. Em atividades físicas intensas, nas quais a transpiração está presente, a troca se fará necessária várias vezes.

Já as de Neoprene, que têm a vantagem de serem laváveis e impermeáveis, também podem oferecer boa proteção, mas com nível de respirabilidade comparativamente bem mais baixo. As de algodão são laváveis, mas molham com mais facilidade durante o exercício, tendo índices de proteção mais baixos que as anteriores, além de respirabilidade menor que as de TNT, dependendo de suas camadas e espessura.

Por fim, as máscaras “hospitalares”, como a N95, são as que possuem o maior poder de filtragem, mas com respirabilidade também considerada baixa (compreensível, já que, para um ambiente hospitalar, é o nível de proteção o que prioritariamente importa, mesmo trazendo uma certa resistência à respiração).

A princípio, máscaras foram feitas para proteção, como é o que ocorre nessa atual pandemia, e não para fazer exercícios. Portanto, embora causando potenciais desconfortos e dificuldades, seu uso traz um efeito protetor cientificamente reconhecido. Empresas ainda estão procurando encontrar materiais e modelagens que possam ser mais bem aceitas pelos praticantes de exercícios físicos, e testagens estão ocorrendo, para que o usuário possa ter à sua disposição um produto adequado.

  

AB - É muito comum bailarinos se acostumarem com as dores que se manifestam no corpo durante suas rotinas. Qual o sinal de alerta para que um bailarino perceba que a dor pode estar exigindo demais do corpo, e que uma lesão pode estar se manifestando?

RE - O principal sinal de alerta será quando a dor, que faz parte da vida do bailarino, não melhora após o repouso, aumenta de intensidade ou já aparece aos pequenos esforços. Eu então aconselho que o bailarino pare e busque atendimento médico, pois uma lesão pode ter ocorrido e a intervenção precoce será um grande diferencial na recuperação da mesma. Fica a dica! Está sentindo dor, principalmente aos pequenos esforços, respeite o seu corpo e procure ajuda!

 

AB - Sobre o uso de sapatilha de ponta, existe alguma diferença entre iniciar o uso quando criança, ou começar o uso quando já é uma bailarina adulta? A ponta pode ser usada em qualquer idade desde que haja uma preparação preliminar adequada?

RE - O corpo muda com o crescimento e o seu centro de gravidade também. Em crianças a ponta não deve ser introduzida antes dos 11/13 anos, e adultos devem introduzir de forma paulatina e cautelosa.

Inicialmente, considerando as crianças pequenas, sabemos que de acordo com odesenvolvimento psicomotor, a criança não fica em pé antes de engatinhar. O cérebro precisa criar conexões para que possamos fazer algo novo, o desenvolvimento osteomuscular precisa estar desenvolvido para iniciar a deambulação.

Assim, “ficar na ponta” não é um movimento normal, é necessário que o corpo desenvolva musculatura e estrutura óssea e as articulações precisam estar preparadas para adotar esta postura.

Cabe aos professores iniciarem com a meia ponta para a realização deste amadurecimento, e sem forçar. O peso corporal da criança é menor, e talvez por isso até seja mais fácil. Mas como relatei anteriormente, se não houver um amadurecimento (psicomotor, muscular e osteo ligamentar), as deformidades e artrose surgirão precocemente encurtando a vida artística desta bailarina.

em relação aos adultos, aconselho iniciarem na meia ponta e fazerem com perseverança trabalhos musculares adequados, até conseguirem usar a ponta. Importante ressaltar que a performance não será igual a da menina que foi sendo moldada desde a infância para adotar esta postura. O adulto, dependendo da idade que iniciar, já poderá ser portador de artrose ou lesão muscular anterior, o que irá dificultar a postura. Os adultos que desejam evoluir a meia ponta para a ponta devem ter muita cautela.

 

AB - Como médico e pai de uma bailarina profissional que dança desde criança, e que já sofreu lesões, como você "coloca na balança" os prós e contras do ballet como atividade física e para a vida?

RE - Minha filha sofreu uma grave lesão no ombro e precisou ser submetida a uma cirurgia de reconstrução labral. Tivemos muito aprendizado com o incidente e, principalmente, passamos a entender que nada acontece por acaso.

Assim, as lesões, que às vezes são inevitáveis, é o que considero como um ponto não muito a favor. Não chego a considerar negativo, pois bailarinas estão expostas a elasuma vez que trabalham com o corpo. 

Todo exercício físico de alta intensidade deve ser dosado. Na maioria das vezes, próximo a uma apresentação, as aulas e ensaios são exaustivos e com poucos intervalos de descanso. Assim como um atleta, a programação semanal deve ser bem elaborada para que no dia do espetáculo, que é o auge do treinamento, o bailarino não esteja extenuado e perca rendimento. Uma dieta adequada, alongamentos, exercícios de Pilates ou Gyrotonic® para realinhamentos e ganhos musculares específicos, alternância dos exercícios para não forçar sempre os mesmos grupos musculares são fundamentais para a prevenção de lesões.

Na minha visão como médico ortopedista, que atende a bailarinos e atletas, os diretores da dança precisam entender que os bailarinos são mais que atletas de alto rendimento e necessitam de uma equipe multiprofissional (médico, fisioterapeuta, fisiologista, nutricionista, psicólogo e preparador físico) além dos professores, para cuidarem deles e assim evitariam muitas lesões, e isso tudo poder aumentar o rendimento. 

Um  ponto positivo é que a atividade artística da bailarina é excepcional pois trabalha muito a disciplina, o foco e a perseverança para que seus objetivos sejam atingidos. Assim,  quem faz ballet leva isso para a vida, independente se seguir de forma amadora ou profissionalmente. Não conseguimos nada sem sacrifícios.

 

AB - O Dr. Roger tem outro título muito importante, o de 'Pai de bailarina', e por esse motivo resolvi manter a última pergunta, que eu sempre faço nos bate-papos, pergunta que carrega o nome do nosso blog. O que o Dr. Roger e Pai de Bailarina leva da dança para a vida?

RE - De fato um título muito importante. Me sinto muito lisonjeado e também feliz por ter incentivado o que no início parecia uma brincadeira de menina, pois Mayumi começou a fazer ballet aos 3 anos de idade na sua escola. Aos 14 anos de idade deixamos Mayumi seguir seu caminho, quando ela deixou a Escola de Danças Maria Olenewa, o Colégio de Aplicação da UERJ e sua família para fazer um despretensioso curso de férias, que resultou em uma bolsa para estudar ballet no Miami City Ballet, e depois seguir sua vida profissional na mesma companhia.

A dança até então era algo que não fazia parte do nosso dia a dia, pois não tínhamos na família outros artistas. Mas a dança nos mostrou um leque de possibilidades, em relação ao crescimento que trouxe para a nossa filha e também para os que ali convivem com ela, bailarinos de diversas nacionalidades, culturas diferentes, mas que se convertem para esse bem tão preciso que é a ARTE.

Hoje, durante a pandemia estamos sendo privilegiados pelos artistas que trazem para nosso cotidiano a música, os filmes, as peças de teatro e a DANÇA.

A dança também me fez aprofundar em áreas mais especificas da Ortopedia, possibilitando ajudar não somente a minha filha, mas a outros bailarinos também.


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