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Bate-Papo com Ana Paulino, bailarina do Joburg Ballet

Bate-Papo com Ana Paulino, bailarina do Joburg Ballet

Hoje o nosso bate-papo é com uma amiga-irmã, companheira de apartamento.

Eu e a Ana estamos morando 2 anos e meio na África do Sul e nesse tempo nós construímos uma amizade maravilhosa.

Ana  Paulino foi apresentada ao ballet aos 4 anos de idade, por iniciativa da mãe.

Formou-se em ballet clássico e dança contemporânea pela Fundação das Artes de São Caetano do Sul.

Na busca de mais oportunidades e de crescimento profissional, ela encontrou o Centro de Artes Pavarini. Foi lá que a rotina com a dança começou a ficar mais puxada, mas também foi quando começou a mostrar melhores resultados.

Entre tantas bailarinas talentosas,  ela se destacousobretudo, pela   persistência  e a professora Danielle Pavarini apostou nela.

Não demorou  muito  as conquistas vieram... Em 2016Ana participou do Festival de Dança de Joinville e levou o primeiro lugar na categoria solo.

Em 2017, com um novo solo, a premiação se repetiu e na grande Noite dos Campeões do Festival de  Joinville, como título de bi-campeã no Jazz, Ana se despediu dos palcos brasileiros  para dar inicio a uma nova jornada.

É com muito orgulho que eu compartilho com  vocês um pouco sobre ela, as experiências passadas, as dificuldadesatuais, e os sonhos para o futuro

Confira!

Armando Barros

 

AB – SUA PRIMEIRA EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL FOI EM NOVA YORK. COMO FOI ESSA MUDANÇA DE SÃO PAULO PARA A CIDADE DOS SONHOS?

AP - Minha mãe e minha tia trabalhavam em uma escola em tempo integral e eu ficava em casa muito triste e solitária. Nessa época, coincidiu com o falecimento da minha e   então eu decidi que queria fazer um intercâmbio e minha mãe me incentivou. Mandei um vídeo, em 2015, para o programa de treinamento do Harlem, com base nas informações que eu havia conseguido pela internet.

Eu aprendi muito nessa experiência de viver em Nova York. Em termos de responsabilidade, foi um grande aprendizado, pois foi a primeira vez que eu saí para morar fora de casa, sozinha, em outro país, precisando me comunicar em outra língua... lembro-me de que eu pedi um táxi quando cheguei lá e apenas mostrei um papel com o endereço da minha casa pro taxista e falei “I don’t speak english”. Isso era o que eu sabia falar em inglês e o taxista disse: “I can see”. Quando passava pela ponte George Washington, olhei pra todos aqueles prédios e pensei: “Meu Deus, eu estou em Nova York”!

 

AB – E COMO FOI A SUA EXPERIÊNCIA NO PROGRAMA DE TREINAMENTO DO DANCE THEATRE OF HARLEM?

AP - Estar em um grupo de treinamento de oito meninas e dois meninos, onde todos estavam com os olhos voltados para uma vaga na Companhia não foi nada fácil. Ninguém ajuda ninguém é um mundo muito competitivo.

Mas o Harlem me ensinou muitas coisas, como, por exemplo, a ter mais disciplina em aula e trabalhar o básico. Lá eu aprendi que o menos é mais. Eles priorizam muito que o bailarino seja mais controlado em aula, para que ele possa ter mais diversão no palco. Eu trabalhava muito errado.

Na audição da Companhia, eu fui a única do programa de treinamento que fiquei até o final, mas eu ainda era muito nova  e tinha muitas coisas para trabalhar e melhorar e o fato de eu não dominar a língua inglesa incomodava à diretora.

 

AB – HOJE VOCÊ É BAILARINA DO JOBURG BALLET. O QUE SIGNIFICA PRA VOCÊ SER UMA BAILARINA, NEGRA, BRASILEIRA, MEMBRO DE UMA DAS COMPANHIAS DE BALLET CLÁSSICO MAIS IMPORTANTES DA ÁFRICA DO SUL?

AP – É muito gratificante saber que eu consegui chegar até aqui, e que uma parte da população negra pode se sentir representada quando me encontram no teatro. O grande problema é que somos apenas três meninas negras agora, e todas internacionais. É uma pena o público africano não ter um artista de referência pra eles, que seja do próprio país. Eu acho que a Companhia deve isso para a África do Sul e é por isso que a Companhia hoje está seguindo um programa de igualdade racial. A população desse país é majoritariamente negra, mas só temos meninas africanas brancas na Companhia, então ser uma das três negras é realmente uma honra. Acredito que eu faço parte desse crescimento, dessa mudança, e acredito que muitos avanços nesse sentido ainda podem acontecer.  

 

AB –COMO É A SUA ROTINA NO JOBURG BALLET?

AP - Eu geralmente acordo às 8h15 da manhã, e deixo minha casa por volta de 9h para o trabalho. Começo meu aquecimento no Studio às 9h30, e a aula mesmo começa às 10h, sendo conduzida  por  algum membro da Companhia, ou o diretor, ou antigos bailarinos da Companhia. Terminamos a aula às 11h15 e sempre temos um descanso de 15 minutos para dar início aos ensaios. Dependendo da temporada, as meninas têm mais ensaios, se é um ballet muito clássico como Giselle, por exemplo, podendo chegar a ficar até 3 horas seguidas ensaiando. Temos 1 hora de almoço, geralmente de 13h às 14h. Nossa rotina  geralmente acaba às 17h, mas quando estamos próximos de estrear, os ensaios ficam mais intensos e acabamos às 18h. Vou para casa destruída, é um dia muito cansativo, mas no outro dia tenho que estar com um sorriso lindo no rosto.

 

AB –VOCÊ PODE FALAR UM POUCO SOBRE A SUA ÚLTIMA TEMPORADA EM 2019?

AP - A última temporada foi uma suite de Quebra Nozes, participamos de um festival de luzes no Zoológico de Joanesburgo. Foi uma alegria, fiz o papel da Clara, mais um vez. Eu fiz esse papel pela primeira vez em 2018, e foi um presente enorme que a vida me deu, onde eu pude mostrar mais o meu lado artístico. Eu acredito que ainda tenho muitas falhas na parte técnica, que busco sempre melhorar , mas que são compensadas com meu lado artístico. Eu gosto muito de interpretar essa menina inocente, que realmente acredita estar em uma batalha com o rei rato. É uma linda fantasia, pra quem assistia o Quebra Nozes da Barbie, e no meu caso seria uma versão real da Barbie Negra.

 

AB – QUAIS SÃO AS MAIORES DIFICULDADES E DASAFIOS QUE VOCÊ ENCARA NO SEU DIA-A-DIA DENTRO DE UMA COMPANHIA PROFISSIONAL?

AP - Parece um pouco bobagem mas, pra mim, ter que lidar com dois papeis ainda é um desafio muito grande. Fazer o papel de solista e ao mesmo tempo ter que aprender um lugar no corpo de baile é muito difícil. Às vezes eu acho que consigo decorar tudo, apenas olhando, mas quando eu realmente tenho que fazer o segundo papel na prática, eu acabo esquecendo lugares pra pisar, contagens da música…é um desafio que eu tenho que vencer, pois se dedicar mais ao papel de solista do que ao corpo de baile não é justo.

 

AB – VOCÊ SE APRESENTOU NO BAIRRO DE SOWETO, ONDE ABRIGA A MAIOR COMUNIDADE URBANA DE NEGROS DO PAÍS E  É UM DOS PRINCIPAIS SÍMBOLOS DA HISTÓRIA DA ÁFRICA DO SUL E DO APARTHEID, O REGIME DE SEGREGAÇÃO RACIAL. QUAL FOI A SENSAÇÂO DE SE APRESENTAR LÁ?

AP – Foi lindo. Todas as vezes que a Companhia apresentava os bailarinos separadamente e as crianças viam que existia uma bailarina negra dentro daquele grupo era um prêmio pra eles, saber que o sonho deles poderia se tornar realidade, saber que poderiam ingressar em uma escola de ballet, poderiam usar uma sapatilha de ponta com a cor desenvolvida para a pele negra, que só depois de 200 anos veio ao mercado. Foi uma oportunidade maravilhosa apresentar a cultura do ballet clássico e apresentar o negro inserido no ballet clássico. Foi muito lindo ver de perto todos aqueles olhos cheios de esperança. As crianças vinham me abraçar, me beijar, pedir autógrafos… pra mim valeu muito mais do que todo o dinheiro que recebo trabalhando.

 

AB – QUAL CONSELHO VOCÊ DARIA PARA JOVENS QUE QUEREM SEGUIR UMA CARREIRA PROFISSIONAL NA DANÇA?

AP – Sempre persistir e nunca desistir. Muitas barreiras vão aparecer, dificuldades técnicas, problemas raciais, ou até mesmo financeiros, mas  sempre haverá um caminho e pessoas que vão te ajudar e te orientar. Eu estou sempre disposta para dar conselhos e responder perguntas, porque são poucas bailarinas negras que fazem parte desse mundo, e é por isso que devemos nos ajudar e nos incentivarmos mutuamente. O ballet não é um mundo fácil e de flores, passamos por muita dor e desgaste físico e mental, mas eu acho que com amor e vontade de conquistar, tudo dá certo.

 

AB – O ​QUE VOCÊ ALMEJA COMO ARTISTA?

AP – Eu gostaria muito de ter um espaço para poder transmitir e compartilhar todo o conhecimento que eu adquiri enquanto vivi como bailarina. Eu não sei quão distante esse futuro seria, tudo vai depender de quanto tempo o meu corpo vai continuar a aceitar a dança. Eu tenho o sonho de entrar em uma Companhia de dança afro-americana, possivelmente o Dance Theatre of Harlem, pelo fato da minha experiência ter sido tão boa enquanto eu estive lá. Eu me devo isso, eu preciso viver aquela arte, aquela história, poder estar em uma companhia onde os negros são referência.

 

AB – O QUE A ANA PAULINO LEVA DA DANÇA PARA A VIDA?

AP – O ballet faz com que a gente amadureça mais rápido, pra que possamos sair de casa e viver a vida dançando. A gente aprende a conhecer melhor as pessoas, a gente aprende a ter mais disciplina na vida particular, temos a oportunidade de várias experiências, como cursos de verão, por exemplo, onde conhecemos pessoas do mundo inteiro… a dança me apresentou inúmeros amigos, me trouxe várias decepções, mas também muitas surpresas boas!

 


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