Desenho, amor e dança: bate-papo com a bailarina Paula Rosa em homenagem ao Dia da Bailarina
Primeiro de setembro, dia especial! Dia de dançar e celebrar, Dia da Bailarina!
Para comemorar esse dia, convidamos uma bailarina brasileira, hoje bailarina do Astana Ballet, no Cazaquistão, para assinar a ilustração de uma t-shirts especial em homenagem a esse dia!
Na verdade, essa ilustração não nasceu pensada especificamente para isso... Certo dia, navegando pelo instagram, me deparei com um desenho de uma bailarina, gostei dos traços e fui ver melhor o perfil de quem era. Foi aí que encontrei esse desenho escolhido para a t-shirt. De cara, já foi amor à primeira vista! A representação da bailarina em traços estilizados me encantou e me fez ver algo único ali! Entrei em contato para conhecer melhor a autora e lançar a ideia de trazer o desenho para uma t-shirt. Foi então, conversando com ela, que descobri que aquele desenho havia nascido em um dia em que ela não se sentia muito bem, em conflito com a dança e num processo reflexivo, com muitas dúvidas, foi rabiscando um papel e o desenho foi nascendo. Os traços embolados e confusos deixam evidente seu estado de espírito do momento. Fiquei ainda mais apaixonada por saber que por trás do desenho havia tanto sentimento, e por enxergar poesia e verdade na representação tive ainda mais certeza de que era a ilustração que gostaria de trazer para celebrar o Dia da Bailarina, afinal que bailarina, que se propõe a viver os desafios da dança, nunca passou por momentos difíceis?!
Enxerguei nessa arte, livre, espontânea e cheia de sentimento, uma forma de poder expressar o que desejo para as bailarinas nesse dia: Que esse desenho seja sempre fonte inspiradora de força e resiliência, lembrando a você da importância de não desistir dos seus sonhos, de acreditar em si, e de se permitir ser a bailarina que você nasceu para ser, no seu tempo!
Confira abaixo o bate-papo de Armando com a Bailarina Paula Rosa, autora desse desenho!
Feliz Dia da Bailarina!!
Bella
AB – CONTA UM POUCO SOBRE COMO FOI A SUA TRAJETÓRIA, ATÉ VOCÊ SE TORNAR UMA BAILARINA PROFISSIONAL.
PR - Eu já gostava de dançar desde muito novinha. Qualquer música que tocava eu dançava. Eu me lembro de dançar as músicas da novela O Clone, com 3 anos de idade
Nós morávamos na cidade de Morrinhos, quando meus pais perceberam que eu gostava de dançar e me colocaram pra fazer balé. Mudamos para Goiânia, e quando eu tinha com 6 anos fiz o teste pra entrar no Balé do Centro Gustav Ritter. Eu nem sabia muito bem onde eu estava,apenas brincava de balé.
Com 10 anos de idade, eu fiz o teste para entrar no Corpo de Baile, grupo especial da escola, massem saber muito bem do que se tratava. Minha mãe nem queria muito, era um tanto complicado, iria começar a ter viagens e mais dias de prática por semana, mas acabei entrando nesse mundo, fui me esforçando, e vi que podia ter um futuro ali. As professoras me incentivavam muito. Até que um dia a Simone Malta, coordenadora da dança, me colocou pra dançar um solo.
Tudo isso deu muito trabalho, porque eu não era uma das mais fortes da sala. Eu tinha potencial e físico, mas não tinha muita força, muito menos disciplina (risos), enfim…
Aos 16 anos de idade, passei a dançar mais solos, participar das competições, e daí pra frente eu posso dizer que virei uma “bailarina de verdade”. Foi ali que eu comecei a entender o que era balé. Fui me esforçando cada vez mais, sonhando, e meus pais comigo. Apesar da questão financeira ter sido difícil, a gente sempre dava um jeito. Meu pai, minha mãe, a Simone Malta e a escola me deram muito suporte.
Até que na minha adolescência surgiram oportunidades de participar de alguns festivais internacionais. Quando eu percebi, eu já estava fazendo audições para ser uma profissional e entrar em uma companhia de dança.
Eu fui às cegas. Eu só queria ser bailarina, e continuo querendo ser bailarina. Eu tenho essa sede até hoje, depois de tudo que eu percorri, desde criança, eu ainda tenho essa sede de ser bailarina. Eu vou sempre pra frente.
AB – COMO SURGIU A OFERTA DE TRABALHO E O PROCESSO PARA INGRESSAR NA COMPANHIA DE DANÇA?
PR - Eu era muito novinha quando eu fui fazer audição na Europa. Eu estava viajando sozinha, doente, muito assustada, nervosa, e acabei não sendo aprovada em nenhuma Companhia,justamente pelo fato de serem Companhias muito grandes e eu ser muito nova. Então depois de ter passado um mês na Europa, fazendo audições, eu voltei para o Brasil e vi que o Astana Ballet estava realizando uma audição, e resolvi mandar alguns vídeos. Eles me aceitaram na Companhia e, inicialmente, me deram um contrato de 3 meses, depois desse período me ofereceram um contrato para o cargo de Solista, e desde então eu moro no Cazaquistão, onde estou construindo a minha carreira.
AB – QUANDO E COMO SURGIU ESSE AMOR POR DESENHAR?
PR - Na verdade eu comecei a dançar e desenhar com 3 anos de idade, nasci fazendo essas duas coisas, é parte de mim e da minha vida inteira. Eu não me lembro de nenhum momento da minha vida em que eu não estivesse dançando ou desenhando.
Meu pai é jornalista e me incentivava no balé e minha mãe me incentivava no desenho, já que ela também desenhava. Então desde que eu era bebê ela já me colocava no chão com papel, lápis, tinta e me lembro de desenhar a tarde inteira com os meus irmãos.
Quando minha mãe decidiu fazer Design de Moda, eu logo vi que eu queria fazer aquilo também,caso não conseguisse seguir carreira no balé. Até que um dia eu ganhei lápis aquarela, e percebi que eu devia estudar mais e levar os meus desenhos mais a sério. Mas o balé sempre tomava muito tempo e, infelizmente, eu não tive como investir e me dedicar tanto ao desenho. Se não fosse o balé, eu com certeza seria uma profissional em alguma área que trabalha com desenhos.
Desenho é o que me deixa viva, é onde eu me encontro e sou completamente eu. Se algum dia eu estiver perdida, ou sozinha, o desenho e a dança farão com que eu encontre forças para continuar inspirada e feliz. As duas artes são muito profundas e sentimentais pra mim.
AB – SEUS DESENHOS FICARAM CONHECIDOS EM ASTANA, RESULTANDO EM ALGUNS TRABALHOS E OPORTUNIDADES. CONTA UM POUCO PRA GENTE SOBRE AS SUAS CRIAÇÕES PARA A COMPANHIA.
PR - Eu não me lembro muito bem como aconteceu, mas o coreógrafo do Astana Ballet viu um dos meus desenhos e gostou muito. Geralmente eu não falo muito sobre os meus desenhos para os outros, sempre achei uma coisa muito pessoal, e até então eu não levava como algo profissional, sempre foi apenas um hobby.
Então esse coreógrafo, o Ricardo Amarante, comentou que a Companhia estava precisando de um cartaz para o balé de Giselle, mas que o Astana Ballet não tinha figurinos prontos pra poder tirar fotos, nem algum outro tipo de material pronto pra poder produzir esse cartaz. Foi quando eles tiveram a ideia de fazer algo que lembrasse Giselle, e o Ricardo acabou sugerindo para a Companhia que eu fizesse um desenho. Depois de algumas pesquisas eu fiz um desenho, eles digitalizaram, e assim virou o cartaz da temporada de Giselle.
Depois disso o próprio Ricardo me pediu pra fazer um figurino pra obra dele, She, um Duo. E depois, pela segunda vez, ele me convidou para fazer os figurinos de Silent Voices, que é um balé lindo e grande aqui na Companhia. É um balé simples, quando se trata de cenário, mas com muitos efeitos de iluminação.
Mais tarde, um bailarino da companhia, David Jonathan, foi convidado para coreografar em Almaty, antiga capital do Cazaquistão, em um teatro bem histórico, e ele também me convidou para fazer os figurinos de sua obra, Rediscovering Bach. No final acabou até aparecendo em uma revista de dança.
É muito legal ver como as minhas amigas de trabalho elogiam meus figurinos, falando que é algo confortável, e que se sentem bem vestindo. Eu acho que é importante um bailarino desenhar. Nós entendemos o quão é importante dançarmos com um figurino que nos deixe bem, pois como bailarinos já temos que nos preocupar com a técnica da dança, então não dá pra ficar preocupado com um figurino que está caindo, desconfortável, ou até mesmo fazendo você parecer maior do que você é.
AB - COMO FOI QUE NASCEU O DESENHO QUE VOCÊ FEZ, ESCOLHIDO POR BELLA, E QUE ACABOU VIRANDO UMA CAMISA EM HOMENAGEM AO DIA DA BAILARINA NA LABÈ?
PR - Eu fiz esse desenho em um momento onde eu estava tendo uns problemas e algumas indecisões sobre a minha carreira, sobre estar morando longe da família para estar em uma Companhia de balé. Muitas coisas estavam passando em minha cabeça e então eu sentei para tentar relaxar, e comecei a rabiscar papéis, sem ter muita ideia do que eu estava fazendo. Comecei a desenhar um corpo, que ficou parecido com uma bailarina, e dali fui rabiscando um tutu. Eu lembro que na hora eu pensava no quanto o balé mexe na vida das pessoas de várias formas, e o quanto bailarinos precisam abrir mão de muitas coisas na vida para seguir essa carreira. Os rabiscos foram indo até a cabeça da bailarina, como se o balé mexesse muito com as nossas cabeças.
Mas não foi nada planejado, eu estava apenas sentada tentado ter um momento de terapia comigo mesma. E eu não imaginava que aquele desenho seria algo que eu poderia postar e mostrar para outras pessoas, mas acabou que a Bella viu o meu Instagram, e ela escolheu aquele desenho. Eu fiquei “em choque, e pensava "gente, como aquele desenho simples, que eu nem planejei, conseguiu chamar a atenção de alguém".
Eu realmente fiquei impressionada, pois geralmente quando eu desenho faço todo um planejamento, pesquiso, escolho cores.
AB – O QUE TE INSPIRA COMO BAILARINA?
PR - Amor! O que o mundo mais precisa. Nós, bailarinos, só entregamos energia boa, contamos histórias sem palavras, passamos sentimentos sem abrir a boca. E essa energia boa que a gente entrega, essa arte, é o que mais me inspira.
Compartilhar amor e arte, ainda mais nesse mundo em que estamos vivendo agora, onde está tudo tão vazio, onde tudo é feito correndo, e ninguém tem tempo de sentar e fazer as coisas como deveriam ser feitas. Ver pessoas sentadas em uma plateia para assistir a nossa arte, chorar, se emocionar, e sentir o amor com a gente, é um grande prêmio pra mim.
AB – O QUE A PAULA ROSA LEVA DA DANÇA PARA A VIDA?
PR - Paixão pelo o que faço. Eu coloco isso em tudo, todos os dias da minha vida. Eu aprendi com a dança a sempre dar tudo de mim, e fazer o melhor do que eu posso. Pode ser uma coisa pequena, que aparentemente ninguém vai perceber, mas eu dou o meu máximo, pois quero que as pessoas vejam o meu melhor, até limpando chão.
A gente sempre deve procurar dar o melhor no palco, nós nunca devemos “marcar”, ou fazer mais ou menos, devemos sempre dar cem por cento de nós. Sendo mais dramática, a gente se mata (risos), damos a nossa alma no palco, e mesmo quando estamos nos sentindo quase mortos, ao mesmo tempo estamos nos sentindo ótimos. Isso que entregamos aos outros é a energia boa e o amor que eu comentei na pergunta passada. Eu sou uma pessoa muito sentimental, e acredito que carrego isso da dança, de uma certa forma somos atores e atrizes.
E outra coisa que eu gosto de comparar, na dança a gente tem o corpo de baile e nunca estamos sozinhos, e acredito que na vida é assim também. Não adianta a gente querer viver sozinho e não olhar para os lados, pelo contrário, na vida a gente deve compartilhar tudo com todos, e estarmos sempre juntos. Eu sempre tento olhar para os lados, igual no balé, e reconhecer que aquele ser humano do meu lado tem sentimentos. Eu levo isso muito a sério para a minha vida, que nunca estamos dançando sozinhos. Mesmo no caso de um ‘Solo’ no palco, você ainda está dançando para uma plateia.